quinta-feira, março 23, 2006

A Crise- cena 2

Manhã.
Maria está na casa de banho a olhar para o resultado do teste de gravidez. Nota-se alguma confusão sobre o que sente. Repete constantemente:
- Não…….Não pode ser…..Como é que isto aconteceu?
Mas à medida que as frases vão saindo, um sorriso de felicidade vai-se espalhando pelo seu rosto. No final, a alegria é bastante visível na forma como sorri, e no brilho que sai dos seus olhos.
José está na sala junto do computador portátil, no qual mexe com uma mão, enquanto com a outra segura a sua cabeça. A mesa está coberta de papéis relativas a contas, e José está a introduzir os valores no programa que utiliza para fazer a gestão monetária da família. Sempre que introduz um novo valor, suspira denotando algum desespero.
Maria entra na sala, irradiando felicidade e fazendo festas no seu ventre. Dirige-se a José e ao vê-lo triste pergunta-lhe:
- Então, que cara é essa?
José, sem deixar de olhar para o computador e com uma das mãos a apoiar a sua cabeça respondo-lhe:
- Estou a chegar à conclusão que somos uma organização sem fins lucrativos.
- Não te preocupes, se assim é, talvez nos possamos candidatar a um subsídio – diz-lhe Maria, tentando aliviar o ambiente e desejosa para lhe contar a novidade.
José continua o seu monólogo:
- Nos últimos anos temos tido prejuízo e se isto assim continuar, temos que pedir donativos a entidades superiores: aos nossos pais. – vira-se para Maria e continua – E digo-te mais, se fossemos uma empresa estava na hora de declarar falência.
Maria começa a perder o sorriso, mas não se dá por vencida:
- Bom. Tenho a certeza que estás a exagerar. As coisas não estão assim tão mal como tu as estás a pôr.
José olha para a cara de felicidade de Maria e reage:
- Com essa tua conversa, e essa tua cara de comprometida, espero que não tragas aí nenhum recibo de compra de roupa. – diz-lhe, desconfiado.
Maria continua a tentar desdramatizar a situação:
- Deixa-te de coisas. Não é nada disso. Afinal tens que te lembrar que a vida não é só dinheiro.
José volta-se para o computador e enquanto vai teclando com uma mão, vai dizendo:
- Pois….Tens razão, pelo que eu aqui vejo também é comida, roupa, livros, roupa, brinquedos, roupa, sapatos, roupa, médicos, roupa, medicamentos, roupa… - à medida que vai falando começa a instalar-se nele um certo pânico. É bruscamente interrompido pelo anúncio de Maria:
- Estou grávida. – diz-lhe de forma bem audível.
José pára, volta-se calmamente para Maria, sorri e diz-lhe, calmamente:
- Ok. Tens razão. Estava a precisar de apanhar um susto para descer à terra. Pronto, já me acalmei. Realmente as coisas podiam ser piores.
Maria perde o sorriso que tinha, olha José de frente e repete pausadamente e de uma forma que não deixa dúvidas:
- Estou mesmo grávida.
José é apanhado de surpresa e fica uns segundos hesitante sobre o que pode dizer, enquanto olha para Maria, para o computador, para os papéis das contas:
- Mas……Mas……Mas como? – acaba por perguntar.
Maria cruza os braços, olha para José, bastante irritada e diz-lhe:
- Posso-te garantir que não se trata de um milagre.
José continua sem saber o que dizer:
- Mas…..Mas…..Como é que deixaste isto acontecer?
Dos olhos de Maria saem faíscas, um misto de irritação e de desilusão ecoam nas suas palavras:
- Eu???? Eu deixei acontecer???? Não me lembro de te ter forçado a nada.
José hesita, como se estivesse a tentar recordar-se se foi ou não forçado a algo, o que irrita ainda mais Maria e depois continua a culpabilizá-la:
- Claro que não. Mas nós os homens, no que diz respeito ao sexo, somos uns irresponsáveis. Já devias de saber isso e tomar as devidas precauções. Afinal tu é que tens a chave de entrada.
Maria, completamente destroçada com a conversa diz, o mais calmamente que pode:
- Tens razão. Eu é que tenho a chave da entrada.
Mal termina a frase sai irritada. José volta-se para o computador, apercebe-se das asneiras que disse, carrega numa tecla e diz:
- Bumm!!! Navio ao fundo.