segunda-feira, março 20, 2006

A Crise- cena 1

À mesa, na cozinha, a família, constituída por três membros, está sentada para o jantar, José o pai, tem um ar preocupado. Maria, a mãe, dirige-se à filha, Rita:
- Então filha, como é que te correu o dia? – diz enquanto lhe despeja uma concha de sopa no prato.
- Não digo. – responde Rita.
- Porque é que nunca queres falar connosco ao jantar? – pergunta-lhe Maria, um pouco chateada.
- Porque me obrigam a comer a sopa. – responde decidida.
José deixa o ar carrancudo e diz, a sorrir:
- Bom, a moça tem razão. Esta sopa foi feita por ti, não foi? Também me tira a vontade de falar. – diz enquanto vai mexendo na sopa com a colher.
- Não comeces com isso. Se não estás contente, para a próxima fazes tu. – responde-lhe Maria irritada.
- A sério??? Deixas-me ser eu a fazer o jantar??? Posso mesmo?? – diz José entusiasmado com a ideia.
Maria apercebe-se do erro que acaba de cometer e tenta remediar o mesmo:
- Se não for para fazeres as porcarias fritas que costumas fazer…….Talvez. – diz-lhe enquanto o encara de frente.
- Olha lá, eu não ofendo as mixórdias de legumes com que tu nos castigas. – diz José irritado.
- Pai, passa-me aí o Sabemal – diz Rita a José, assim que este acaba de falar. José com um sorriso amarelo e a olhar para Maria, agarra no primeiro recipiente que encontra e passa-o a Rita.
- Não. Não é esse. Esse é o Blarg – diz Rita, rejeitando a comida que o pai lhe passou – É aquele que está ao lado do Provocarrepios.
José passa o recipiente correcto a Rita enquanto Maria o olha fixamente e lhe pergunta:
- Estavas a dizer o quê???
- São apenas nomes que eu inventei para que a mocita não tenha dificuldades em pedir as coisas. Tens que admitir que são mais fáceis de decorar que, Setã, Tofu e sei lá mais o quê. – diz José tentando-se desculpar– De qualquer forma, isso não interessa. Então amanhã, sou eu que faço a comida?
- Desde que não compres piza. – diz Maria enquanto se vai servindo de comida.
- Sim pai, PIZA. – grita Rita, entrando subitamente na conversa.
- Não podemos filha, o pai esteve a fazer contas antes de vir para mesa e temos que fazer poupanças. – responde-lhe para desgosto de Rita. Vira-se depois para Maria e continua – Pelo menos enquanto a mãe continuar a gastar tanto dinheiro em roupa.
Maria olha para José e diz-lhe:
- Por falar em poupanças. Porque raio está tanto frio cá em casa?
- Porque o gasóleo para o aquecimento não pára de aumentar e nós temos que poupar. – responde-lhe José, acentuando bem a última parte da frase.
- Não é preciso exagerar. A casa está gelada. – continua Maria.
- Isso são restos da estadia da tua mãe. – diz José enquanto começa a levantar os pratos da mesa.
- A minha mãe já se foi embora há uma semana. – diz Maria chateada com a insinuação.
- E a casa ainda está fria. – continua José, enquanto pisca o olho a Rita.
- Pai, o que é que a avó tem a ver com o frio que está na casa? – pergunta ingenuamente Rita.
- Já há muito tempo que não dormes no sofá, pois não? – diz, num tom ameaçador, Maria a José.
José apercebe-se que é melhor parar com a brincadeira e tenta mudar de assunto.
- Filha, não tem nada, o pai queria apenas dizer que....que..... – olha para Maria à procura de ajuda, mas esta está-se a divertir com a sua atrapalhação. José tenta então mudar de assunto:
– Queres que eu te vá buscar um casaco, por causa do frio? – pergunta a Maria.
Dirigindo-se depois para a filha:
– E tu se não te despachas a comer e continuas a fazer perguntas, levas com mais sopa.
- Bom. Deixa-te de brincadeiras e vai mas é ligar o aquecimento. – diz Maria enquanto Rita envia olhares reprovadores ao pai.
- Isso é que era bom. Viste o dinheirão que pagámos por encher o depósito com o raio do gasóleo? – diz José irritado.
- Então se está cheio temos que o gastar. – responde Maria, calmamente.
- Sim. Pelas contas que estive a fazer antes do jantar, temos três anos para o fazer. – conclui José.
- Deixa lá de ser sovina. Estamos a gelar aqui. – replica Maria.
- Porra. A lareira está acesa. – responde-lhe José.
- Porra é uma palavra feia. Vou escrever no quadro do não gostei que disseste mais uma palavra feia. – diz Rita saindo da mesa e dirigindo-se a uma pilha de papéis que se encontram pendurados no frigorífico, começando depois a escrever algo nos mesmos.
Ao fundo uma trémula chama sai da lareira. Maria aponta para a mesma e diz:
- Chamas àquilo uma lareira? Acho que está a consumir mais calor para tentar sobreviver do que aquele que consegue deitar cá para fora. – diz Maria gozando com José. Entretanto chega Rita carregada de papéis.
- Mãe, o quadro do não gostei já está cheio com os palavrões que o pai tem dito. – diz enquanto vai descarregando os mesmos no colo da mãe – Olha, só nos dias em que a avó cá esteve, enchi estas duas folhas. – diz mostrando à mãe duas folhas cheias de gatafunhos.
- E as asneiras que a avó disse? Também aí estão? – pergunta-lhe José, chateado.
- A avó não diz asneiras. – responde-lhe, decidida, Rita.
- Não??? E os nomes que ela me chamou quando eu lhe disse que a achava mais gorda? – diz irritado.
- Bom. Chega de conversa. – diz Maria, ao mesmo tempo que coloca as folhas em cima da mesa e se levanta – Acaba de arrumar a mesa enquanto eu vou ligar o aquecimento. - diz a José.
- Espera. Eu vou reavivar o lume. Não precisamos do aquecimento ligado. – diz José enquanto agarra em todas as folhas do quadro do não gostei e se dirige com elas para a lareira.
- NÃÃÃOOOOO. – grita Rita choramingando.
José pára. Volta atrás e dá de volta todas as folhas à filha, ao mesmo tempo que lhe diz:
- O pai estava a brincar. Toma lá. – vira-se depois para Maria e diz-lhe – Quando ela, realmente, souber escrever, acaba-se de vez com esta história do quadro do não gostei.