terça-feira, maio 23, 2006

Homem doméstico - cena 1

- Olha quem acordou. Então moça, dormiste bem? – pergunta José a Rita.
- Sim. – responde Rita com um sorriso e a esfregar os olhos.
- Então o que queres para o pequeno-almoço? – pergunta-lhe José enquanto se dirige para o frigorífico.
- Quero metade de um pão sem côdea, com manteiga e mel e outra metade com chocolate para barrar. Não quero que mistures as duas, como ontem. Quero o leite morno e não quente, sem açúcar e com uma colher de mel e outra de chocolate, na caneca do ursinho e com uma palhinha cor de rosa. Para o lanche da escola quero levar metade de uma pêra e outra metade de uma maçã, descascadas e partidas em bocadinhos pequeninos. – diz Rita, praticamente de um só fôlego.
- Ok. – diz José fechando o frigorifico e dirigindo-se à despensa.
- E se for um pacote de leite com chocolate e bolachas maria? – pergunta depois quando sai da despensa, abanando os mesmos à frente da filha, tentando aliciá-la – Para o lanche levas 50 cêntimos para comprares o que quiseres, desde que não seja porcarias, como chupas e chocolates, isso dou-te eu depois quando cá chegares. Que dizes?
- Está bem. – responde Rita, enquanto se prepara para comer.
- Mas quero o troco de volta, ouviste? – diz José ao mesmo tempo que lhe mostra a moeda de 50 cêntimos e a coloca dentro da mochila de Rita.
- Queres que eu diga à mãe o que me andas a dar de comer ao pequeno-almoço? – diz Rita entre duas trincadelas numa bolacha.
- Bom.....está bem....Então fazemos assim: Dás-me só as moedas claras e as escuras ficam todas para ti, pode ser assim?
- Pode. – responde.
Vira-se depois para José e pergunta-lhe:
- Porque é que agora és sempre tu que me vais levar à escola?
- Porque eu e a mãe decidimos que talvez fosse bom um de nós ficar em casa, a tomar conta de ti e a arrumar as coisas.
- Não acredito em ti. Se fosse assim era a mãe que ficava, porque tu..... – diz Rita olhando depois para a loiça suja amontoada no lava loiça.
- Não comeces com essas coisas. Lembra-te que se fosse a mãe, provavelmente obrigava-te a comer legumes ao pequeno-almoço.
- Tens razão. Ainda bem que és tu. Mas agora já não trabalhas mais? Mandaram-te embora?
- Não sejas tonta. Já te disse que agora trabalho em casa. Não tens que te preocupar com nada. Outra coisa que vou começar a fazer é a dar explicações aos meninos e meninas que não têm boas notas, e os pais deles vão-me pagar para isso. Mas chega de conversa fiada. Toca a despachar porque senão chegamos, mais uma vez, atrasados à escola. – diz José tentando mudar rapidamente de assunto.
Rita acaba de comer e vai lavar os dentes enquanto José vai arrumando, mal, o que ficou sobre a mesa. Começa depois a preparar tudo para lavar a loiça, fazendo uma grande bagunça com água quente, detergente e loiça. Acaba por partir alguns copos cortando-se depois quando tenta apanhar os cacos. Rita vai observando tudo isto, com a escova de dentes na boca e um olhar preocupado. Quando acaba de lavar os dentes, volta para junto de José, o qual está com um guardanapo de papel a envolver-lhe um dedo.
- Tu és um bocado trapalhão. – diz-lhe Rita- Os pais dos meninos pagam-te na mesma se eles continuarem com más notas?- pergunta-lhe preocupada.
- Ó moça. Tu não vês que só sou trapalhão nisto. Preciso de um tempo para aprender a fazer isto como deve de ser. Agora a dar explicações já tenho muito treino. Lembra-te que já dei aulas, por isso não tens que estar preocupada. Ouviste? – diz-lhe enquanto a ajeita e lhe dá um beijo. Dirigem-se depois para a porta da rua.
- Podias treinar a arrumar a casa começando por arrumar o meu quarto. – diz-lhe Rita já despreocupada e com um sorriso, enquanto José abre a porta da rua.
- Isso depende do troco que me trouxeres da Escola. – responde José fechando depois a porta da rua, saindo assim ambos de cena.

terça-feira, abril 18, 2006

Homem doméstico - cena 0.5

Mês e meio depois. Manhã.
José está sentado na cozinha, em pijama e descalço a olhar atentamente para os seus pés. Maria entra toda aprumada e cheia de presa. Vai mexendo nos armários e tirando deles alimentos que vai ingerindo rapidamente e sem se sentar.
- Então amor, o que vais fazer hoje? - pergunta a José entre duas goladas de café.
José responde, sem tirar os olhos dos seus pés:
- Estava a pensar cortar as unhas dos pés. - Levanta um dos pés na direcção de Maria e pergunta-lhe - O que achas?
Maria olha e vira-se rapidamente.
- Pois... E depois disso? Deixei uma máquina de roupa para estenderes.
- Mas a...... - José lembra-se que já não têm empregada devido ao seu desemprego - Está bem. O que queres que eu faça mais?
Maria dirige-se à sua mala e tira de lá uma enorme folha.
- Bom, já que falas nisso. - entrega a folha a José - Aqui está uma pequena lista de coisas que podes fazer.
José olha rapidamente para os itens da folha.
- UAU....Até aqui está o menu do jantar, não fosse eu ter a audácia de pensar. - olha para Maria - Sabes, ser o teu empregado doméstico não é assim tão diferente do meu último emprego.
- Mas neste tens regalias sexuais. - diz-lhe Maria enquanto lhes dá um beijo.
- Estás-te a esquecer que o meu último emprego foi no passado fim de semana onde fui ajudar o veterinário a fazer a recolha de sémen de um cavalo. E olha que no fim, fiquei com a sensação que o cavalo me piscou o olho. - diz José.
Maria dá-lhe uma pequena palmada nas costas.
- Estúpido. Quando é que ele te volta a chamar?
- Não sei. Depois da piscadela de olho, ele disse que me telefonava....e até hoje... - diz José desiludido - Sinto que fui usado por ele.
Maria suspira e diz-lhe:
- Estou a falar do veterinário e não do cavalo.
- Eu também. Mulher, o que é que tu estavas a pensar? Que fantasias tortuosas andam nessa tua cabeça?
- Bom. Já estou atrasada e não tenho tempo para as tuas parvoíces. Um beijo. - diz Maria enquanto se prepara para despedir de José.
- E a Rita? Ainda dorme? - pergunta-lhe José, enquanto Maria já se dirige para a porta da rua.
- Sim. Agora que cá ficas pode dormir mais um pouco, mesmo que chegue atrasada ao infantário. - diz Maria ao mesmo tempo que abre a porta da rua.
- É verdade. Até porque só graças a esses atrasos é que me apercebi que a nossa filha tem uma educadora toda giraça.
- E ela já sabe que satisfazes cavalos? - pergunta Maria já do lado de fora.
José enrola rapidamente a folha das tarefas e atira a mesma à porta da rua, a qual é fechada por Maria assim que acaba de falar.
José levanta-se, apanha a folha, agarra num lápis e começa a ler, em voz alta, o que lá está escrito:
- Arrumar a sala. - José olha para a mesma, olha para a folha e risca esse item, ao mesmo tempo que diz - Feito. Segunda tarefa. Dar um jeito à casa de banho. - José deixa a folha e o lápis na mesa da cozinha e sai da divisão. Ouve-se depois o barulho de José a despejar a bexiga e posteriormente a despejar o autoclismo. Regressa depois à cozinha, agarra no lápis e risca a folha, ao mesmo tempo que diz - Feito.
Entretanto, entra Rita na cozinha, já vestida, mas ainda um pouco ensonada.

Nota: O autor do blog pode, a qualquer momento, modificar a história e as respectivas personagens (porque não passam disso, de histórias e de personagens imaginadas).

segunda-feira, abril 10, 2006

A Crise- cena 3

- Então fiz-te bem, foi? – diz José a Maria enquanto vai tirando os pratos da mesa. – Não me tinha apercebido que o sexo tinha sido assim tão bom. – diz, tentando aligeirar o ambiente.
- Pai, o que é sexo? – pergunta Rita da sala.
- Sabes que ainda sobrou sopa? – responde-lhe José.
- Desculpa. Podes continuar. – grita Rita.
- Onde é que eu estava? – pergunta José a Maria, baixando o tom da sua voz.
- A dizer parvoíces. – responde Maria.
- Pois, é verdade. E desculpas todas essas parvoíces que eu te disse? – pergunta-lhe José, aproximando-se de Maria e olhando-a nos olhos.
- Se pedires como deve de ser….- responde-lhe Maria, provocando-o com um pequeno sorriso.
- E o que é para ti um pedido de desculpas como deve de ser? – pergunta José sorrindo e debruçando-se para a beijar.
Maria afasta a cara e diz:
- Assumires que foste um grande parvalhão. Que disseste coisas que só me magoaram. Que foste de uma insensibilidade extrema. Que…
José interrompe-a:
- Espera. O melhor é ir buscar uma caneta e papel, porque senão perco-me. – diz olhando para os lados à procura de algum desses objectos. Depois, mais sério, volta a encará-la e diz-lhe:
- Ok. Peço desculpas por tudo isso. Tens toda a razão nisso da insensibilidade e no resto das coisas todas que disseste…..Peço muitas desculpas.
- Hmmmm….Não sei….. – diz-lhe Maria gozando o momento.
- Porra, mulher. O que queres que eu faça mais? Que me ponha de joelhos?
- Bom….não é preciso tanto, basta que fiques tu a tratar das tarefas domésticas durante o próximo mês. – diz-lhe Maria a sorrir.
- Estás-te a divertir com isto, não estás? – pergunta José, enquanto a agarra.
- Pelo menos tentei. – diz Maria sorrindo – No mínimo podias deixar de dizer mal da minha comida.
- Isso ele não consegue. – grita Rita da sala.
- Olha lá. Tu não devias de estar hipnotizada pela Televisão? – pergunta José a Rita.
- Está no intervalo e a vossa conversa é mais gira. – responde-lhe Rita.
- Bom, acho que está na hora de ires para a cama. – diz-lhe José.
- Não é justo. – diz Rita da sala – Eu ainda não percebi porque é que vocês se chatearam. – diz desiludida.
- Isto é conversa de adultos. Não tens nada a ver com isto. Vai lavar os dentes e toca a ir para a cama. – diz-lhe José enquanto sorri para Maria.
- Depois querem que eu vos conte o meu dia….. – diz Rita ao mesmo tempo que se ouvem os seus passos a subirem as escadas – Agora também não vos conto quem é que me deu um beijo na boca hoje na escola.
- ACABARAM-SE AS NOVELAS À TARDE. – grita-lhe José irritado com o que acabou de ouvir. Volta-se para Maria e diz-lhe – Temos que ter uma conversa muito séria com esta rapariga.
Maria sorri e responde:
- Pois….Já percebi que o “temos” se refere a mim, não é?
- Claro. Afinal aquilo vem dos teus genes, ou já te esqueceste que foste tu que me assediaste para que começasse a namorar contigo?
- Sim, está bem. – responde-lhe Maria dando-lhe um beijo e dirigindo-se para as escadas da sala.
José diz-lhe, antes que ela saia:
- Há uma coisa que ainda não te disse.
Maria pára e volta a encarar José.
- O quê? – pergunta-lhe.
- Vou ser despedido.
- O QUÊ? – grita Maria.
- O meu contrato está a acabar e não há dinheiro para o renovarem, pelo que…. – diz José triste.
Maria aproxima-se dele e abraça-o.
- Mas….mas….Porque é que não me disseste nada? – pergunta-lhe.
- Porque só hoje é que tive a certeza. – responde-lhe José. – No final do mês….acabou-se.
- Ó amor….Então era por isso que só falavas em contas….e… - diz Maria não terminado a frase.
- Sim. Mas exagerei e não devia de te ter dito o que disse.
- Amor, não te preocupes. Vamos conseguir ultrapassar isto. Já passámos por outras crises e conseguimos superar. – diz-lhe Maria confiante.
- Acho que não podes comparar isto a uma estadia prolongada da tua mãe ou a uma das festas de anos da nossa filha. – diz-lhe José.
- Tonto. Não te preocupes com isso. – diz Maria enquanto acaricia o seu ventre – Tenho a certeza que isto é apenas um sinal.
- Pois…um sinal…E não podiam antes mandar os números dos euromilhões? – diz-lhe José.
- Não comeces com a tua falta de fé. Isto é apenas para nós passarmos a usar melhor as nossas capacidades.
- Actualmente só me lembro de uma capacidade que nós temos e que a sabemos fazer bem.
- Estás a ver? – diz-lhe Maria entusiasmada – É assim que se fala. Qual é ela?
- Sabemos gastar dinheiro. – responde José.
- MÃE, JÁ LAVEI OS DENTES. ANDA-ME CONTAR A HISTÓRIA. – grita Rita – PAI, VAI LAVAR OS DENTES E É SE QUISERES QUE EU TE CHAME PARA ME DARES O BEIJO DE BOAS NOITES.
Maria dá um beijo e José e sai. José fica uns instantes pensativo. Suspira e com um pequeno sorriso volta-se para acabar de arrumar a cozinha.

sexta-feira, março 31, 2006

A Crise- cena 2 e meio

Os três membros da família estão sentados na mesa da cozinha para o jantar. Tudo parece estar normal, mas um estranho silêncio faz com que Rita se aperceba que algo não está bem entre os seus pais:
- Então? Hoje não me perguntam nada? – diz ela.
- Não me apetece falar, amor. – responde-lhe Maria, com um ar triste.
- Eu também não vos contava nada sobre o meu dia, por isso não faz mal. – diz tentando sossegar a mãe – Estão chateados? – pergunta passado algum tempo.
- Sim, mas não te preocupes. – responde José com um sorriso forçado.
- Eu não estou preocupada. – responde-lhe Rita – Então se não vão falar durante o jantar, posso ligar a televisão para ver os desenhos animados. – diz decidida.
- NÃO. A HORA DE JANTAR NÃO É HORA DE VER TELEVISÃO. – dizem, quase em coro, Maria e José.
- Poça. Não falam, mas arranjam sempre alguma coisa para ralharem comigo. – diz Rita cabisbaixa.
- Nós não estamos chateados contigo, amor. – diz-lhe José, tentando desculpar-se dos gritos.
- Então se não estão, porque é que não me deixam ver a televisão? – pergunta-lhe Rita.
- Já sabes que é uma regra cá de casa. Às refeições não se vê televisão. – responde Maria.
- Pois, mas vocês dizem que é para que possamos falar uns com os outros. Mas se vocês hoje não falam, posso ver a televisão.
Maria e José sentem-se encurralados com a resposta de Rita e olham-se nos olhos. José é quem reage:
- A moço não deixa de ter a sua razão. – diz para Maria, enquanto se levanta para ir ligar a TV.
- Se é para ver TV, vou comer sozinha para outro lado. – diz Maria enquanto agarra nas suas coisas e sai decidida.
José e Rita ficam sem reacção perante a sua repentina decisão. José volta-se a sentar e continua a mexer no prato sem vontade de comer, enquanto Rita olha para ele preocupada.
- Deves de ter feito uma boa…..Deves deves…..Para ela estar assim…..uiui. – diz a José.
José olha para ela e diz-lhe:
- Cala-te, vê a televisão, e não me obrigues a pôr-te mais sopa no prato.
Rita tem intenções de responder, mas José, agarra na concha da sopa. Rita hesita. José não larga a concha. Rita olha para ele e tenta mais uma vez responder, mas José levanta a concha, cheia de sopa. Rita acaba por não dizer nada e desistir e José volta a pôr a concha dentro do tacho da sopa. Rita vai comendo enquanto olha para os desenhos animados que passam na TV e José vai comendo enquanto destrói migalhas de pão.
Passados uns segundos Maria volta a entrar. Nota-se que agora está zangada, não só com José, mas também com Rita. Rita não nota nada e diz-lhe:
- Olha, comi a sopa toda. Não foste tu que a fizeste, pois não?
- Andas a ficar demasiado parecida com o teu pai. – responde-lhe Maria de uma forma triste.
José tenta pôr água na fervura:
- A moça só está a brincar. De qualquer forma tem razão. Não foste tu que a fizeste, pois não? Ou então é a televisão que nos distrai do sabor.
- Há coisas sérias demais, que tu me disseste, que me tiram toda a paciência para ouvir as tuas habituais parvoíces. – diz Maria, zangada, a José.
- O pai fez-te mal? – pergunta-lhe Rita.
- Não amor, fez-me bem mas ainda não se apercebeu disso. – responde-lhe Maria.
José sente a resposta de Maria e fica sem reacção.
- Posso sair da mesa? – pergunta Rita.
- Sim, podes. – responde-lhe José, cabisbaixo.
Rita sai da cozinha, José e Maria ficam sozinhos.

quinta-feira, março 23, 2006

A Crise- cena 2

Manhã.
Maria está na casa de banho a olhar para o resultado do teste de gravidez. Nota-se alguma confusão sobre o que sente. Repete constantemente:
- Não…….Não pode ser…..Como é que isto aconteceu?
Mas à medida que as frases vão saindo, um sorriso de felicidade vai-se espalhando pelo seu rosto. No final, a alegria é bastante visível na forma como sorri, e no brilho que sai dos seus olhos.
José está na sala junto do computador portátil, no qual mexe com uma mão, enquanto com a outra segura a sua cabeça. A mesa está coberta de papéis relativas a contas, e José está a introduzir os valores no programa que utiliza para fazer a gestão monetária da família. Sempre que introduz um novo valor, suspira denotando algum desespero.
Maria entra na sala, irradiando felicidade e fazendo festas no seu ventre. Dirige-se a José e ao vê-lo triste pergunta-lhe:
- Então, que cara é essa?
José, sem deixar de olhar para o computador e com uma das mãos a apoiar a sua cabeça respondo-lhe:
- Estou a chegar à conclusão que somos uma organização sem fins lucrativos.
- Não te preocupes, se assim é, talvez nos possamos candidatar a um subsídio – diz-lhe Maria, tentando aliviar o ambiente e desejosa para lhe contar a novidade.
José continua o seu monólogo:
- Nos últimos anos temos tido prejuízo e se isto assim continuar, temos que pedir donativos a entidades superiores: aos nossos pais. – vira-se para Maria e continua – E digo-te mais, se fossemos uma empresa estava na hora de declarar falência.
Maria começa a perder o sorriso, mas não se dá por vencida:
- Bom. Tenho a certeza que estás a exagerar. As coisas não estão assim tão mal como tu as estás a pôr.
José olha para a cara de felicidade de Maria e reage:
- Com essa tua conversa, e essa tua cara de comprometida, espero que não tragas aí nenhum recibo de compra de roupa. – diz-lhe, desconfiado.
Maria continua a tentar desdramatizar a situação:
- Deixa-te de coisas. Não é nada disso. Afinal tens que te lembrar que a vida não é só dinheiro.
José volta-se para o computador e enquanto vai teclando com uma mão, vai dizendo:
- Pois….Tens razão, pelo que eu aqui vejo também é comida, roupa, livros, roupa, brinquedos, roupa, sapatos, roupa, médicos, roupa, medicamentos, roupa… - à medida que vai falando começa a instalar-se nele um certo pânico. É bruscamente interrompido pelo anúncio de Maria:
- Estou grávida. – diz-lhe de forma bem audível.
José pára, volta-se calmamente para Maria, sorri e diz-lhe, calmamente:
- Ok. Tens razão. Estava a precisar de apanhar um susto para descer à terra. Pronto, já me acalmei. Realmente as coisas podiam ser piores.
Maria perde o sorriso que tinha, olha José de frente e repete pausadamente e de uma forma que não deixa dúvidas:
- Estou mesmo grávida.
José é apanhado de surpresa e fica uns segundos hesitante sobre o que pode dizer, enquanto olha para Maria, para o computador, para os papéis das contas:
- Mas……Mas……Mas como? – acaba por perguntar.
Maria cruza os braços, olha para José, bastante irritada e diz-lhe:
- Posso-te garantir que não se trata de um milagre.
José continua sem saber o que dizer:
- Mas…..Mas…..Como é que deixaste isto acontecer?
Dos olhos de Maria saem faíscas, um misto de irritação e de desilusão ecoam nas suas palavras:
- Eu???? Eu deixei acontecer???? Não me lembro de te ter forçado a nada.
José hesita, como se estivesse a tentar recordar-se se foi ou não forçado a algo, o que irrita ainda mais Maria e depois continua a culpabilizá-la:
- Claro que não. Mas nós os homens, no que diz respeito ao sexo, somos uns irresponsáveis. Já devias de saber isso e tomar as devidas precauções. Afinal tu é que tens a chave de entrada.
Maria, completamente destroçada com a conversa diz, o mais calmamente que pode:
- Tens razão. Eu é que tenho a chave da entrada.
Mal termina a frase sai irritada. José volta-se para o computador, apercebe-se das asneiras que disse, carrega numa tecla e diz:
- Bumm!!! Navio ao fundo.

segunda-feira, março 20, 2006

A Crise- cena 1

À mesa, na cozinha, a família, constituída por três membros, está sentada para o jantar, José o pai, tem um ar preocupado. Maria, a mãe, dirige-se à filha, Rita:
- Então filha, como é que te correu o dia? – diz enquanto lhe despeja uma concha de sopa no prato.
- Não digo. – responde Rita.
- Porque é que nunca queres falar connosco ao jantar? – pergunta-lhe Maria, um pouco chateada.
- Porque me obrigam a comer a sopa. – responde decidida.
José deixa o ar carrancudo e diz, a sorrir:
- Bom, a moça tem razão. Esta sopa foi feita por ti, não foi? Também me tira a vontade de falar. – diz enquanto vai mexendo na sopa com a colher.
- Não comeces com isso. Se não estás contente, para a próxima fazes tu. – responde-lhe Maria irritada.
- A sério??? Deixas-me ser eu a fazer o jantar??? Posso mesmo?? – diz José entusiasmado com a ideia.
Maria apercebe-se do erro que acaba de cometer e tenta remediar o mesmo:
- Se não for para fazeres as porcarias fritas que costumas fazer…….Talvez. – diz-lhe enquanto o encara de frente.
- Olha lá, eu não ofendo as mixórdias de legumes com que tu nos castigas. – diz José irritado.
- Pai, passa-me aí o Sabemal – diz Rita a José, assim que este acaba de falar. José com um sorriso amarelo e a olhar para Maria, agarra no primeiro recipiente que encontra e passa-o a Rita.
- Não. Não é esse. Esse é o Blarg – diz Rita, rejeitando a comida que o pai lhe passou – É aquele que está ao lado do Provocarrepios.
José passa o recipiente correcto a Rita enquanto Maria o olha fixamente e lhe pergunta:
- Estavas a dizer o quê???
- São apenas nomes que eu inventei para que a mocita não tenha dificuldades em pedir as coisas. Tens que admitir que são mais fáceis de decorar que, Setã, Tofu e sei lá mais o quê. – diz José tentando-se desculpar– De qualquer forma, isso não interessa. Então amanhã, sou eu que faço a comida?
- Desde que não compres piza. – diz Maria enquanto se vai servindo de comida.
- Sim pai, PIZA. – grita Rita, entrando subitamente na conversa.
- Não podemos filha, o pai esteve a fazer contas antes de vir para mesa e temos que fazer poupanças. – responde-lhe para desgosto de Rita. Vira-se depois para Maria e continua – Pelo menos enquanto a mãe continuar a gastar tanto dinheiro em roupa.
Maria olha para José e diz-lhe:
- Por falar em poupanças. Porque raio está tanto frio cá em casa?
- Porque o gasóleo para o aquecimento não pára de aumentar e nós temos que poupar. – responde-lhe José, acentuando bem a última parte da frase.
- Não é preciso exagerar. A casa está gelada. – continua Maria.
- Isso são restos da estadia da tua mãe. – diz José enquanto começa a levantar os pratos da mesa.
- A minha mãe já se foi embora há uma semana. – diz Maria chateada com a insinuação.
- E a casa ainda está fria. – continua José, enquanto pisca o olho a Rita.
- Pai, o que é que a avó tem a ver com o frio que está na casa? – pergunta ingenuamente Rita.
- Já há muito tempo que não dormes no sofá, pois não? – diz, num tom ameaçador, Maria a José.
José apercebe-se que é melhor parar com a brincadeira e tenta mudar de assunto.
- Filha, não tem nada, o pai queria apenas dizer que....que..... – olha para Maria à procura de ajuda, mas esta está-se a divertir com a sua atrapalhação. José tenta então mudar de assunto:
– Queres que eu te vá buscar um casaco, por causa do frio? – pergunta a Maria.
Dirigindo-se depois para a filha:
– E tu se não te despachas a comer e continuas a fazer perguntas, levas com mais sopa.
- Bom. Deixa-te de brincadeiras e vai mas é ligar o aquecimento. – diz Maria enquanto Rita envia olhares reprovadores ao pai.
- Isso é que era bom. Viste o dinheirão que pagámos por encher o depósito com o raio do gasóleo? – diz José irritado.
- Então se está cheio temos que o gastar. – responde Maria, calmamente.
- Sim. Pelas contas que estive a fazer antes do jantar, temos três anos para o fazer. – conclui José.
- Deixa lá de ser sovina. Estamos a gelar aqui. – replica Maria.
- Porra. A lareira está acesa. – responde-lhe José.
- Porra é uma palavra feia. Vou escrever no quadro do não gostei que disseste mais uma palavra feia. – diz Rita saindo da mesa e dirigindo-se a uma pilha de papéis que se encontram pendurados no frigorífico, começando depois a escrever algo nos mesmos.
Ao fundo uma trémula chama sai da lareira. Maria aponta para a mesma e diz:
- Chamas àquilo uma lareira? Acho que está a consumir mais calor para tentar sobreviver do que aquele que consegue deitar cá para fora. – diz Maria gozando com José. Entretanto chega Rita carregada de papéis.
- Mãe, o quadro do não gostei já está cheio com os palavrões que o pai tem dito. – diz enquanto vai descarregando os mesmos no colo da mãe – Olha, só nos dias em que a avó cá esteve, enchi estas duas folhas. – diz mostrando à mãe duas folhas cheias de gatafunhos.
- E as asneiras que a avó disse? Também aí estão? – pergunta-lhe José, chateado.
- A avó não diz asneiras. – responde-lhe, decidida, Rita.
- Não??? E os nomes que ela me chamou quando eu lhe disse que a achava mais gorda? – diz irritado.
- Bom. Chega de conversa. – diz Maria, ao mesmo tempo que coloca as folhas em cima da mesa e se levanta – Acaba de arrumar a mesa enquanto eu vou ligar o aquecimento. - diz a José.
- Espera. Eu vou reavivar o lume. Não precisamos do aquecimento ligado. – diz José enquanto agarra em todas as folhas do quadro do não gostei e se dirige com elas para a lareira.
- NÃÃÃOOOOO. – grita Rita choramingando.
José pára. Volta atrás e dá de volta todas as folhas à filha, ao mesmo tempo que lhe diz:
- O pai estava a brincar. Toma lá. – vira-se depois para Maria e diz-lhe – Quando ela, realmente, souber escrever, acaba-se de vez com esta história do quadro do não gostei.